Para poder entender do que se trata Wushu/Kung Fu, é necessário entender de onde esta rica arte marcial milenar se origina.
O Wushu (武术)/Kung Fu (功夫) vem da atual República Popular da China (também retratada apenas como China), berço de grandes feitos pela humanidade, tanto no âmbito tecnológico (ex.: arco e flecha, pólvora, calendário, bússola) quanto no campo cultural (ex.: Confucionismo, Taoísmo, Práticas de meditação, acupuntura).
O termo Wushu (武术) é utilizado para se referir a todas artes guerreiras,militares e/ou marciais chinesas, que em sua tradução literal é dado como “arte marcial”; já o termo Kung Fu (功夫), é uma palavra chinesa que em sua tradução pode significar "Tempo e habilidade" ou "Trabalho Duro".
Historicamente, a popularização do termo Kung Fu (功夫) se deu de maneira mais abrangente no Ocidente por volta das décadas de 1960 e 1970, graças à famosa série de televisão Kung Fu, protagonizada por David Carradine, e aos filmes de ação produzidos em Hong Kong, estrelados principalmente pelo ator Bruce Lee.
Quando procuramos entender o significado filosófico dos termos, encontramos autores que defendem que o termo Kung Fu (功夫) seria um “Trabalho Humano” de toda e qualquer habilidade (não apenas marcial) adquirida ao longo do tempo, com esforço, disciplina e perseverança. Assim, mostra-se que a prática das artes marciais também desenvolve no praticante a possibilidade de alcançar a maestria de suas ações independente da habilidade praticada, seja na dança, pintura, gastronomia, escrita, atuação, julgamentos, decisões, relacionamento interpessoal e até mesmo no ato de governança.
Curiosidade
Durante as dinastias chinesas Song (宋朝) (960 d.C. a 1279 d.C.) e Ming (明朝) (1368 a 1644), o vocábulo Kung Fu (功夫) foi extensivamente utilizado por neo-confucionistas, taoístas e budistas para se referir à arte de como viver em geral junto a sociedade.
Assim como em muitas artes marciais, o Kung Fu (功夫) também possui ramificações de sistemas, denominados Estilos. Segundo a lenda chinesa, muitos deles foram originados a partir das observações dos animais, bem como metodologias voltadas ao estudo do corpo humano na área militar e da saúde.
Durante o período histórico que contempla a China Antiga (aprox. 2100 a.C. até 221 a.C.), havia uma divisão interna no país para as províncias e cidades em regiões Norte e Sul com base em um rio de nome Rio Yangtze (河长江).
Com isso, surge na literatura chinesa as expressões como “A Sul barcos, a Norte Cavalos” e “Pernas do Norte, Punhos do Sul”, devido às condições geográficas que as diferentes regiões se encontravam:
Na região Norte, por haver áreas mais abertas e sinuosas, como campos e montanhas, e apresentar um clima mais frio, os habitantes eram condicionados a usar vestimentas mais grossas e compridas, bem como desenvolver habilidades com maior ênfase de pernas (como corridas, caminhadas a cavalo e uso de transportes terrestres); Como exemplos de estilos do Norte, podemos citar: Chang Quan (長拳), Bei Shaolin (北少林) e o principal estilo de nosso instituto: Louva-a-Deus (螳螂拳);
Na região Sul, por haver áreas mais fechadas, cercadas por uma grande quantidade de rios, lagos e pântanos, e por apresentar um clima mais temperado, os habitantes daquela região eram condicionados a usar vestimentas mais leves e abertas, bem como desempenhar habilidades com maior ênfase dos braços (como pescaria, remo e uso de transporte aquático); Como exemplos de estilos do Sul, podemos citar: Wing Chun (春詠), Choy Lay Fut (蔡李佛) e Hung Gar (洪家).
Ponto de atenção!!
É importante sempre ter em mente que além das condições geográficas, existem diversos outros critérios técnicos/históricos que podem fazer com que os estilos se classifiquem entre Norte/Sul (como exemplo a origem da família que fundou algum estilo marcial).
Devido ao fato da civilização chinesa ser uma das mais antigas do mundo, muitos acontecimentos históricos/filosóficos que ocorreram há milhares de anos acabam por sofrer alterações e/ou adaptações ao longo das diferentes eras e/ou governos do país, não sendo diferente sobre a origem do estilo Louva-a-Deus. Porém, parece ser consenso, entre os historiadores e diversos autores, um nome que até os dias de hoje é associado à origem desse estilo. Estamos falando de ninguém menos que Wáng Láng (王郎).
Há relatos de que Wang Lang (王郎) teria feito parte de um seleto grupo de 18 mestres de artes marciais, convidados pelo Abade Fu Yu no Templo de Shaolin, para que seus métodos fossem documentados e preservados em um manual conhecido como “Mãos Secretas” (Luóhàn Xínggông Duan Dã).
Os mestres participantes desta reunião (e seus respectivos estilos) teriam sido: Imperador Taizu (Chuang Quan), Han Tong (Tonbei), Zhang Em (Chan Feng), Ma Ji (Duanda), Jin Xiang (Keshou Tongquan), Liu Xing (Gou Lou Cai Shou), Yan Qing (Zhanna Diefa), Wen Yuan (Duan Quan), Sun Heng (Hou Quan), Mien Shen (Mien Quan), Huai De (Shuilue Yingbeng), Tan Fang (Gunlou Guaner), Lin Chong (Yuanyang Jiao), Meng Su (Qishi Lian Quan), Yang Gun (Kunlu Zhenru), Cui Lian (Woli Paochi), Huang You (Kao Shou), e o próprio Wang Lang (Tang Lang).
Observação
Esta versão pode ser caracterizada como menos fidedigna, tendo em vista que muitos dos mestres citados teriam vivido em períodos cronologicamente distantes, e outros destes se tratarem de personagens fictícios.
Reunião de mestres de diferentes artes marciais no Templo de Shaolin
Conta-se que Wáng Láng (王郎), já sendo um artista marcial experiente, nativo de Shāndōng (山东), teria visitado o Templo de Shaolin para desafiar os monges que lá habitavam. Tendo perdido os combates, Wáng Láng (王郎) teria se isolado numa floresta para treinar e desafiar os monges novamente. Certo dia, no meio da natureza, ele se deparou com um louva-a-Deus capturando uma cigarra, e ficou fascinado com o inseto. Então, Wáng Láng (王郎) capturou o louva-a-deus e se pôs a estudar e analisar seus movimentos, para incorporá-los ao seu próprio estilo de luta. Posteriormente, Wáng Láng (王郎) teria voltado ao Templo de Shaolin para ter sua revanche e conseguido derrotar os monges, tendo assim surgido o Estilo Louva-a-Deus.
Wang Lang sendo derrotado pelos monges do Templo de Shaolin
Wang Lang tem como inspiração um louva-a-deus na natureza
Mestre Luo Guang Yu em posição
"Louva-a-Deus Captura a Cigarra"
Mas também encontramos que Wáng Láng (王郎) teria sido um habitante do Templo de Shaolin, e teria aprendido as artes marciais e práticas budistas com seu mestre e irmãos de treino. Wáng Láng (王郎) tinha um irmão mais velho com quem gostava de lutar amigavelmente, mas nunca conseguia vencê-lo. Certo dia, seu irmão mais velho saiu em uma viagem que durou 3 anos, e Wáng Láng (王郎) ficou no templo, dando continuidade ao seu treinamento. Então, certo dia, Wáng Láng (王郎) teria se deparado com um louva-a-deus capturando sua presa e, a partir disso, elaborou novas técnicas de luta. Com o retorno de seu irmão mais velho, Wáng Láng (王郎) o desafiou para uma luta na qual, finalmente, conseguiu vencê-lo. Juntos, os irmãos teriam desenvolvido e aprimorado o Estilo Louva-a-Deus.
Atualmente, há muita incerteza sobre a história de origem do estilo e sobre seu fundador, e enquanto não houverem maiores descobertas arqueológicas, dificilmente saberemos, mas assim como o autor Stuart Alve Olson traz em seu livro O guia completo de Kung Fu Louva-a-Deus do Norte: “Não importa o estilo, sub estilo ou linhagem, todos nós, praticantes e estudiosos do Táng Láng Quán (螳螂拳), podemos nos confortar com a ideia de que carregamos a essência de Wáng Láng (王郎), de estarmos sempre buscando maneiras de melhorar a nós mesmos e alcançar todo o nosso potencial.”
O estilo do Louva-a-Deus possui como fundamento técnico um conjunto de aplicações denominadas de “Os 12 Princípios”, que consistem em blocos de aplicação essenciais para a prática marcial desta arte marcial, sendo eles:
Abaixo, listamos algumas técnicas que o Instituto Tang Lang Dao oferece em sua grade curricular que fundamentam esse conhecimento teórico:
ACEVEDO, William; GUTIÉRREZ, Carlos; CHEUNG, Mei. Breve História do Kung Fu.
Tradução Flávia Delgado. Editora Madras. São Paulo, 2010.
ANTUNES, Marcelo. Introdução ao Shuaijiao: teoria e prática. Editora Phorte. São Paulo,
2014.
DE SOUSA, Luiz Leonardo. As Três Montanhas de Laiyang. Bueno Teixeira Editora. Santo
André, 2022.
KOPPE, Vinício Renner. O Kung Fu tradicional e o Wushu moderno. 2009.
LARA, Vinícius David Alcayaga. Estilo Louva-a-Deus de Wushu/Kung Fu: Um levantamento
histórico documental. Universidade de São Paulo. Escola de Educação Física e Esporte.
2023.
MARTA, Felipe Eduardo Ferreira. A memória das lutas: As artes marciais e a sua presença
na cultura corporal de São Paulo. EDUC - Editora PUC-SP, 2010.
MENDONÇA, Samuel (org). Brendan Lai: Praying Mantis System in Brazil . Editora Librum.
Campinas, 2014.
Meus Dicionários. Significado de Artes Marciais. 2021. Disponível em
<https://www.meusdicionarios.com.br/artes-marciais/>. Acesso em junho de 2023.
Monkey Steals Peach. Disponível em: < https://youtube.com/@MonkeyStealsPeach >.
Acesso em maio de 2023.
NI, Peimin; 倪培民. Kung fu for philosophers. New York Times, 2010.
THEEBOOM, Marc; DE KNOP, Paul. An Analysis of the Development of Wushu. International
Review for the Sociology of Sport, n.32, p. 267. 1997.
TUNG, Timothy. Wushu! O guia chinês para a saúde e o preparo físico da família. 1981.
Tradução: Carmen Mortara. Editora Record.
YUTANG, Lin. Lin Yutang's Chinese-English dictionary of modern usage. 1972.